Nesta transformação da antroposfera e da biosfera, a magnitude da presença do fazer econômico e a magnitude das conseqüências desse fazer em nosso viver e conviver humano, faz necessário refletir sobre o caráter desse fazer como um aspecto de nosso conviver cotidiano. O fazer econômico sob a noção de livre empresa e livre mercado é visto como um fazer que, por surgir de uma iniciativa privada, pode chamar-se privado, embora num sentido estrito sempre tem conseqüências públicas na comunidade em que surge, que o faz possível, e que o sustenta. Contudo, embora qualquer fazer como uma atividade que ocorre no fluir do viver e conviver de uma comunidade humana participa ao mesmo tempo destas duas dimensões relacionais (privadas e públicas), neste momento fazemos notar a ênfase que no presente se põe na separação do privado e do público como se tratássemos de relações opostas e excludentes.
Assim, ocorre que agora nos encontramos num presente histórico em que se espera que a criatividade dos membros de uma organização esteja orientada mais para o lucro, do que para o bem-estar das comunidades internas e externas que a fazem possível. E tem mais, isto ocorre sem que se reconheça que na transformação da antroposfera e da biosfera que as organizações geram, a tarefa central de tais organizações é agora essencialmente de serviço público, e sem ver que a orientação exclusiva para o lucro constitui um curso que arrasta a antroposfera para o descalabro ecológico e humano. Sabemos isto há muito tempo, mas só há pouco estamos aceitando que sabemos que o sabemos.
A satisfação das adições ao lucro e ao poder da era pós- pós- moderna requer que as planificações que fazemos dêem resultados, e para que isto ocorra se requer impecabilidade na realização do planejado, e para que o planejado tenha sucesso requer-se que as pessoas que participam de sua realização não cometam erros, que não mudem de opinião, que não tenham iniciativas que não tenham sido consideradas; em suma, requer-se que se conduzam como robôs. O que pode aparecer como maravilhoso nos robôs é que, salvo erro em sua construção, acidente relacional ou erro em seu uso, comportam-se de maneira impecável e previsível segundo seu desenho.
Os seres vivos em geral, e os seres humanos em particular, não somos assim, não somos robôs. Nós seres humanos queremos pensar, queremos refletir, queremos mudar de opinião, queremos ter iniciativa, queremos participar daquilo que fazemos. Queremos ser vistos e escutados como seres inteligentes e criativos. De fato, quando nos encontramos num âmbito laboral em que se quer operar na certeza de que se obterão os resultados desejados em algum projeto particular, procura-se fazer qualquer coisa para garantir que os que participam da realização desse projeto atuem com plena precisão, de acordo com o que se considera ser o procedimento adequado para obter esses resultados. Isto é, queremos desenhar a conduta de nossos “colaboradores” e empregados com prêmios, castigos, e argumentos racionais, de modo que se comportem segundo nossas especificações. Enfim, queremos que eles se comportem como robôs multidimensionais em que podemos confiar.
Reconheçamos ou não, esta é a tarefa da liderança. No entanto, a efetividade de uma liderança, qualquer que seja sua denominação (amiga, acolhedora) sempre dura pouco tempo porque as pessoas querem ser partícipes criativos, e se não o são logo se cansam, se aborrecem, e querem outra coisa. A liderança requer que os liderados abandonem sua própria autonomia reflexiva e se deixem guiar por outro, confiando ou submetendo-se a suas diretrizes ou desejos, seja por se sentirem inspirados, ou por temor de perder algo, sem acesso a queixa ou a pergunta reflexiva. No entanto, a inspiração nos fazeresde um grupo não dura na ausência de participação criativa, e tanto as queixas como as perguntas reflexivas não podem ser retidas indefinidamente sem que surjam frustração, raiva ou desgosto.
Quando se concebe um fazer que requeira um procedimento particular que somente se pode cumprir mediante a conduta acordada dos que o realizam, é a natureza do fazer e da conduta acordada que o executa, aquilo que define a ordem e a precisão do que se faz, não um líder. A história cultural da era pós- pós- moderna nos mostra que se queremos obter a conduta acordada mediante o operar de uma liderança, cedo ou tarde as exigências e restrição reflexiva que isto implica levam à queixa, ao desgosto e à dor: a liderança deixa de ser efetiva, pois as pessoas querem ser responsáveis pelo que fazem. Mas esta história também nos mostra que o renascer da reflexão e da ação éticas a partir da dor e do sofrimento da era pós-moderna que nos leva à era pós- pós- moderna, ao trazer consigo a presença integral do ser humano, abre o caminho para a colaboração desde a autonomia reflexiva e de ação na co-inspiração de qualquer projeto comum. É a isto que nos referimos quando falamos do fim da liderança no nascimento da colaboração na co-inspiração.
Dito de outra maneira, propomos reconhecer que no presente vivemos a mudança de consciência que leva ao fim da liderança e ao começo intencional de uma gestão co-inspirativa.
A gestão co-inspirativa
A colaboração ocorre quando o que se faz com outros é feito no prazer de fazer e vivido, portanto, desde a autonomia reflexiva e a liberdade de ação. E desde a colaboração à co-inspiração ou inspirar-se com outros ante um fazer, num espaço psíquico de respeito, confiança, que nos dá segurança e expande nosso fazer inteligente e criativo. Esta co-inspiração ocorre quando desde o prazer da colaboração se concebe e gera um projeto que nasce comum porque todos os que participam nele atuam vivendo o âmbito de coerências operacionais de sua realização como um espaço de ação e reflexão que lhe transmite respeito, autonomia, responsabilidade e liberdade reflexiva, qualquer que seja seu fazer.
A colaboração e a co-inspiração são espaços psíquicos que constituem âmbitos de convivência no fazer e no refletir onde a seriedade, a responsabilidade, a eficiência e a qualidade do que se faz, sozinho ou com outros, surge da consciência de que a pessoa sabe que faz o que faz porque quer fazer, e sabe que o que faz tem sentido para ele ou ela, porque participou de algum modo em sua gestação.
Enfim, a colaboração e a co-inspiração não são possíveis na liderança (seja qual for sua denominação ou apelido), porque o espaço psíquico desta implica sempre a negação de si mesmo na perda da autonomia reflexiva e de ação. A liderança, seja qual for o seu começo, ocorre na coordenação da obediência e na subjugação; daí o transitória que é sua efetividade. Ao se restringir a autonomia de reflexão e ação no espaço psíquico que surge com a liderança, se restringem a criatividade e os desejos de participar, pois se restringe a inspiração.
Por isso, ao se abrir o espaço da convivência ética no fazer organizacional com a emergência da era pós- pós- moderna, a liderança desaparece. E ao desaparecer a liderança, abre-se o espaço psíquico em que é possível criar o que estamos chamando a gestão co-inspirativa como a forma de guiar a coordenação dos fazeres e reflexões em qualquer campo produtivo, com conversações de coordenação dos desejos e das ganas de fazer o que se sabe fazer nesse campo, e de estar disposto a aprender o que não se sabe.
A gestão co inspirativa se funda no mútuo respeito e na consciência de que desde o respeito por si mesmas as pessoas querem fazer responsável e seriamente o que sabem fazer, e querem aprender também responsável e seriamente o que não sabem fazer, porque desde o respeito por si mesmas querem cumprir seus compromissos. Todos preferimos colaborar a obedecer; todos preferimos ter presença no que fazemos a ser meros peões trabalhadores; todos preferimos ser autônomos e reflexivos em nosso fazer desde o entendimento de sua natureza e de seu significado, e desse modo ser pessoas participantes num projeto comum, a ser subordinados robóticos. Todos desejamos que nosso fazer seja distinguido como um fazer impecável.
A liderança se acaba porque ao negar a autonomia reflexiva das pessoas, nega os fundamentos da conduta responsável, e logo fracassa em sua tentativa de obter qualidade e eficiência no fazer acordado de qualquer âmbito produtivo. Assim seu fim ocorre desde a alma dos “liderados” ante sua urgência psíquica e operacional por recuperar a reflexão e a ação éticas como aspectos centrais da convivência laboral.
Com o fim da liderança e o começo da gestão co-inspirativa, recupera-se a seriedade no fazer desde a consciência de que se sabe que se sabe o que se sabe, e na tranqüilidade de que um conviver no mútuo respeito permite dizer “não sei” sem medo de um castigo, porque se sabe que o que não se sabe se pode aprender e se quer aprender. Na gestão co inspirativa sabe-se que os erros não são mentiras, e sabe-se também que seu reconhecimento abre os espaços reflexivos que levam a mudar as circunstâncias que deram origem aos erros.
Num mundo em mutação haverá erros, e haverá conhecimentos que ficarão obsoletos, mas a conduta inteligente e a contínua abertura para a reflexão que corrige os erros e expande a conduta criativa oportuna, que o mútuo respeito traz consigo, nunca ficarão obsoletas. Quando, num mundo que se vive como um presente em contínua mudança, convivemos sem medo do erro ou do equivoco, num espaço psíquico aberto ao mesmo tempo à reflexão e às conversações colaborativas, vivemos nossa sensorialidade cambiante na serenidade e na segurança, sem ansiedades ou angústias. Isto é, vivemos no espaço emocional de harmonia psíquica e corporal que chamamos bem-estar. E isto não é trivial, já que as emoções como domínios relacionais são o fundamento de todo nosso fazer.
(...)
Não importam as circunstâncias em que vivemos nosso viver, nós seres humanos somos criadores, e por isso responsáveis tanto pelo que fazemos em nossa vida doméstica, como nos múltiplos mundos que vivemos desde nosso fazer filosofia, arte, religião, ciência ou tecnologia como distintos modos de habitar humano. Contudo, neste mesmo olhar nos damos conta também de que nossos fazeres produtivos ou de serviço não têm por que ser destruidores das condições que fazem possível nosso habitar como um habitar ético e socialmente responsável se não quisermos que seja assim, já que possuímos todas as capacidades e conhecimentos para fazer tudo o que fazemos gerando uma antroposfera em equidade e bem-estar no mútuo respeito, abandonando nossos apegos exclusivos ao lucro e ao poder.
De fato, como também dissemos no início, “vivemos um momento em nosso devir histórico em que nos achamos podendo fazer tudo o que imaginarmos, se operarmos com as coerências operacionais do âmbito relacional e operacional no que o imaginarmos”. E é talvez por isso mesmo que também agora, ao nos darmos conta de nossa responsabilidade total na contínua transformação do habitar que geramos, nos perguntamos: que fazer? E nos perguntamos: que fazer? Porque a dor e o sofrimento que geramos em nosso apego exclusivo ao lucro e ao poder é tão grande que nos atinge também recursivamente no viver de nossos filhos, de nossos amigos e em nossa dignidade, tanto que começamos a nos dar conta de que não queremos mentir nem mentir mais a nós mesmos, quando começamos a passar à era pós- pós- moderna, ao nos perguntarmos: que fazer para sair da armadilha que nós mesmos criamos para nós? Como sair de um modo de conviver no qual estamos dispostos a aceitar qualquer coisa desde que conservemos nossos apegos exclusivos ao lucro e ao poder?
Sabemos que sabemos que podemos fazer qualquer coisa que queiramos fazer se o quisermos fazer; e sabemos que sabemos que se quisermos fazê-lo podemos entrar na busca ou no desenho intencional de fazer adequado o que nosso saber e nosso entender e compreender nos indicam. Isto é, se quisermos, podemos conceber um operar de reflexão e ação ética em nosso fazer empresarial que nos permita sair da armadilha auto-destruidora que nós mesmos geramos na era pós-moderna, no apego à onipotência. Se quisermos, podemos criar juntos um conviver no qual se conservem no respeito por nós mesmos o respeito à diversidade, à estética e ao prazer da amizade na co-inspiração da criação de um conviver no bem-estar sem buscar a perfeição.
(...)
Que fazer, se estamos habituados a exigir e a obedecer, a cair no tédio ou na queixa da não participação e a mentir desde o medo de ser castigados?
Temos falado do apego à onipotência e ao poder como dimensões emocionais centrais da era pós-moderna, e o temos feito referindo-nos principalmente ao fazer econômico-político, porque este fazer se converteu numa dinâmica transformadora e conservadora enorme, que se fez central na realização dos processos da antroposfera, e através desta, da biosfera. Isto, contudo, não quer dizer que a onipotência e o poder sejam apegos constitutivos do fazer econômico-político; não são. Estes são apegos próprios da cultura patriarcal-matriarcal que atualmente se estendeu por todos os continentes desde sua origem há uns quinze mil anos na Ásia central.
Nossos meninos e meninas os aprendem conosco, os mais velhos, que como membros de nossa cultura patriarcal- matriarcal os praticamos em todos os aspectos de nosso conviver, e em particular nos âmbitos produtivos e de serviço. Este último é assim porque na cultura patriarcal-matriarcal se pensa que a única coisa que pode assegurar ordem, acordo e eficiência num fazer que implica a participação de muitas pessoas é a autoridade (liderança) e a obediência.
Mas agora sabemos que isto não acontece. A liderança não gera a ordem, o acordo, a qualidade e a eficiência que promete, e se por algum tempo parece que o faz, não é pela liderança, mas antes como resultados das oportunidades acessórias que se abrem apesar dela para que surjam relações de amizade e com elas o desejo genuíno de colaborar. Enfim, também ocorre que surgem autoridades secundárias que, sob a proteção consciente ou inconsciente de uma autoridade maior, obtêm o que parece ser maior efetividade com a manipulação do medo. Ninguém gosta de obedecer, ninguém gosta de ser negado. Quem gosta de atuar de maneira irresponsável ante um acordo adotado com honestidade num domínio de mútuo respeito? A negação que implica a obediência gera ressentimento e tédio.
Era Psíquica Pós- pós- moderna
Dinâmica emocional fundamental: Surgimento da reflexão e da ação ética conscientes É a Era da dor e do sofrimento na antroposfera e na biosfera que a alienação na onipotência gera; abre o espaço para a reflexão e o surgimento da consciência das alienações ideológicas e tecnológicas, e da dor e sofrimento que geram.
É a Era em que surge a responsabilidade ética na antroposfera e na biosfera desde a ampliação da consciência de que somos nós mesmos que geramos as dores e sofrimentos que vivemos na antroposfera e na biosfera. Começamos a viver o fim da liderança: abre-se o caminho à reflexão-ação ética, ao ressurgimento da honestidade e ao desejo de colaborar e co-inspirar. Surge a consciência e o entendimento da matriz biológico-cultural da existência humana que gera, realiza e conserva o humano como gerador do cosmos que vivemos como o âmbito relacional e operacional em que se dá o presente de nosso viver.
Vivemos as seguintes dimensões psíquicas: i) Consciência e desejo da reflexão-ação ética; ii) Consciência da pertença à antroposfera e à biosfera; iii) consciência de cuidado e responsabilidade pela biosfera e pela antroposfera.
Desta maneira, então, a era moderna é a era do fazer do conhecer, a era em que se fazem aparentes as capacidades humanas nos âmbitos do fazer e do explicar científico; a era em que nós seres humanos nos encontramos com capacidades tecnológicas que nos abrem portas de ação antes somente imaginadas. A era pós- moderna é a era do entendimento; a era em que tomamos consciência de que podemos fazer qualquer coisa que imaginarmos, se operarmos com as coerências operacionais do âmbito relacional em que o imaginarmos; a era em que tomamos consciência das conseqüências do que fazemos, porém não nos comprometemos a atuar de acordo com essa consciência. Contudo, as conseqüências do que fazemos estão aí, podemos vê-las, ouvi-las, tocá-las, senti-las. O fato de não nos comprometermos a atuar de acordo com a consciência que temos, por apego a nossas certezas, porque desejamos conservar de maneira consciente e inconsciente a onipotência de crer que podemos fazer qualquer coisa que nos ocorra conservando as coerências operacionais no domínio em que nos ocorra, ou seja, no apego ao poder e à onipotência, nos leva ao caminho do mal-estar.
E é desde este espaço psíquico que começa a era pós- pós- moderna. E começa quando nos damos conta de que “sabemos o que sabemos que sabemos” e de que “entendemos o que entendemos que entendemos”, e ao mesmo tempo nos damos conta de que esse “saber que sabemos que sabemos”, e esse “entender que entendemos que entendemos”, nos compromete com a ação; a era em que somos conscientes de que se não atuamos de acordo com o que “sabemos que sabemos” mentimos a nós mesmos e mentimos a outros, inclusive a nossos filhos: quando se “sabe que se sabe” não se pode pretender que “não se sabe” sem estar mentindo.
A era pós- pós- moderna surge como a era da consciência ética em nosso viver e conviver, já que sabemos o que sabemos, que entendemos o que entendemos, o que nos compromete com a ação. No entanto, não nos compromete com qualquer ação; nos compromete com uma ação consciente e responsável de que as conseqüências de nossos atos não causem dano a outros, a era em que não queremos continuar enganando. Também gostaríamos de dizer que a era pós- pós- moderna ou a era da ética no viver e conviver é a era que gera um espaço operacional- relacional em que nós como seres vivos e seres humanos, em particular, nos sentimos mais à vontade, mais em casa, dado que nossa ontologia constitutiva se orienta a viver e conviver como seres alegres, harmoniosos na conservação do bem-estar. É esta a era em que queremos viver em maior coerência com o mundo natural, é a era que nos coloca no centro de nosso ser seres amorosos.
Na medida em que agora “sabemos que sabemos” das conseqüências que nosso fazer tem no âmbito humano e ecológico que surge com nosso fazer, e atuamos de acordo com esse “saber que sabemos”, estamos transitando para a era pós- pós- moderna. Na era pós- pós- moderna estamos sendo mais conscientes do que teríamos que fazer na conservação da antroposfera e da biosfera de modo que se gere e conserve nelas o viver humano, no bem-estar e na harmonia psíquica e operacional com outros seres vivos desde o respeito à legitimidade de sua existência.
Passamos à era pós- pós- moderna quando nos damos conta de que a seriedade, a eficiência, e a criatividade socialmente responsável em qualquer fazer se expandem numa comunidade em que se vive no mútuo respeito e na autonomia na colaboração. Ao passar à era pós- pós- moderna, nos damos conta de que isto ocorre numa comunidade humana quando seus membros sentem que o que fazem tem sentido porque eles dão sentido com o seu viver isso; esta comunidade é uma comunidade ética.
Mas, como atuar? Qual é a conduta adequada para gerar esse conviver na espontaneidade de nosso sentir? Qual é a conduta adequada para realizar a passagem para a era pós- pós- moderna e conservar a espontaneidade da responsabilidade social cotidiana? O que deve ocorrer na alma do fazer das atividades produtivas ou de serviço? O que deve ocorrer na alma do fazer econômico-político que abriu a possibilidade para esta mudança de era com tanta dor e sofrimento na antroposfera e na biosfera, para que esta mudança se dê de fato? Sabemos que tem que acontecer e sabemos também que, em geral, se não temos de maneira imediata um proceder adequado à mão para fazer o que desejamos fazer, sempre poderemos conceber e realizar um proceder adequado, se o quisermos.
Isto é, sabemos ao passar à era pós- pós- moderna que não é falta de imaginação ou de capacidade tecnológica o que nos impediria de criar um fazer adequado para gerar o conviver no bem-estar que queremos, seja qual for a circunstância, a não ser o fato de não desejar fazê-lo.
Por que o Fim da Liderança? [19]
“Vivemos num tempo em que a maioria de nossos desafios que enfrentamos estão para além do poder da autoridade hierárquica. Os “lideres” nas posições hierárquicas visíveis simplesmente não têm o poder de alterar as forças sistêmicas com as quais conservamos o espaço entre os ricos e pobres, destruímos os ecossistemas e as espécies, o uso da água além do que é possível regenerar em certas regiões, a destruição da terra (dos cultivares), a geração de lixo e de tóxicos, e a geração de CO2 em excesso em relação ao que a natureza pode absorver. Somente quando começarmos a nos dar conta de que “os que estão no poder” só podem usar sua influência na promulgação de novos sistemas acompanhados de mudanças mais amplas no jeito como temos criado um novo entendimento e uma nova ação, aqueles que estão em posições de autoridades hierárquicas poderão fazer sua parte. Isto sempre tem sido um marco de nosso trabalho em organizações onde temos falado muito da “liderança ecológica”, necessária para uma mudança profunda. E é igualmente verdadeiro para os grandes sistemas.
O “líder” em cada um de nós, não importando nossa posição, é obcecado pela crença de benefício próprio, no “líder” está a pessoa que nos permite não ser responsáveis. Estou pensando que talvez tenham razão no Instituto Matríztico e deveríamos somente declarar que esta é a era “do fim da liderança” para (paradoxalmente) criar coragem (valentia) e a audácia para cada um de nós “transpor o umbral” para nossas próprias capacidades de criar” [20]
19 Estas reflexões aparecem com detalhe no ensaio de Dávila, X. e Maturana H. “A grande oportunidade: fim da psique da liderança no surgimento da psique da gestão co-inspirativa”. Em:
Revista da Universidade de Chile: “Estado, Governo e Gestão Pública” Nº 10. Dezembro 2008. (Escrito em 2006).
20 Peter Senge em comunicação pessoal reflexionando sobre o que viveu num Curso de Biologia-Cultural do Instituto Matríztico em Boston, Estados Unidos.
Neste presente que vivemos distinguimos nas pessoas desejos de bem-estar, alegria e harmonia com o mundo natural; ao mesmo tempo distinguimos muita dor e sofrimento em toda a humanidade, riquezas e misérias que nos levam a perguntar-nos como estamos fazendo nosso viver que, no momento de mais potencial criativo e de capacidade de ação de nossa história, geramos tanta dor em muitos, no meio de bem-estar de poucos.
Convidamos a olhar, a saber olhar nosso presente, e que o façamos sem temor e sem pretender ocultar o que vemos. Que vemos?
“Nos últimos 100 anos temos tecido uma rede de interdependência ao redor do mundo como nunca existiu antes; através de nossas escolhas diárias, da comida que comemos, dos carros que dirigimos, das coisas que compramos, da energia que usamos, temos agora o poder de afetar o viver das pessoas e das espécies no outro lado do planeta. E eles podem afetar-nos. Mas ao mesmo tempo, em que esta interdependência tem crescido, nossa habilidade de entender tem diminuído.
Não sabemos de onde vem nossa comida, água ou energia, assim como não vemos as conseqüências de como chegam a nós. Muitas crianças norte-americanas pensam, de fato, que a comida vem dos mercados.” [21]
Sabemos que com nosso viver geramos continuamente o mundo que vivemos, e que o mundo que geramos em nosso viver modifica recursivamente nosso viver e nosso conviver, constituindo uma antroposfera que como trama ecológica do conviver humano surge como parte integral da biosfera, numa dinâmica recursiva que não se detém nem se deterá, a não ser com nossa extinção. Nestas circunstâncias, se olharmos o presente que vivemos, poderemos ver o surgir da era pós- pós- moderna na crescente presença em nosso conviver cotidiano de reflexões e considerações ecológicas e éticas. Reflexões e considerações ecológicas e éticas que surgem numa mudança de consciência desde o “saber que sabemos” que o bem-estar na antroposfera só pode surgir e conservar-se como um ato cotidiano individual de criatividade em nosso conviver.
O fazer econômico-político não é nem pode existir alheio a esta mudança de consciência, já que esta surge em boa medida como resultado das mudanças no habitar humano que sua presença traz consigo na antroposfera. De fato, atualmente nenhuma comunidade humana é possível sem as atividades produtivas empresariais, tanto porque estas constituem agora parte intrínseca do âmbito ecológico da antroposfera que vivemos, como pela transformação global da própria biosfera que foi surgindo como resultado sistêmico- sistêmico [22] da conservação do seu operar.
21 Ibid.
Nesta transformação da antroposfera e da biosfera, a magnitude da presença do fazer econômico e a magnitude das conseqüências desse fazer em nosso viver e conviver humano, faz necessário refletir sobre o caráter desse fazer como um aspecto de nosso conviver cotidiano. O fazer econômico sob a noção de livre empresa e livre mercado é visto como um fazer que, por surgir de uma iniciativa privada, pode chamar-se privado, embora num sentido estrito sempre tem conseqüências públicas na comunidade em que surge, que o faz possível, e que o sustenta. Contudo, embora qualquer fazer como uma atividade que ocorre no fluir do viver e conviver de uma comunidade humana participa ao mesmo tempo destas duas dimensões relacionais (privadas e públicas), neste momento fazemos notar a ênfase que no presente se põe na separação do privado e do público como se tratássemos de relações opostas e excludentes.
Assim, ocorre que agora nos encontramos num presente histórico em que se espera que a criatividade dos membros de uma organização esteja orientada mais para o lucro, do que para o bem-estar das comunidades internas e externas que a fazem possível. E tem mais, isto ocorre sem que se reconheça que na transformação da antroposfera e da biosfera que as organizações geram, a tarefa central de tais organizações é agora essencialmente de serviço público, e sem ver que a orientação exclusiva para o lucro constitui um curso que arrasta a antroposfera para o descalabro ecológico e humano. Sabemos isto há muito tempo, mas só há pouco estamos aceitando que sabemos que o sabemos.
22 Recordemos a Lei sistêmica # 8: Cada vez que num conjunto de elementos começam a conservar-se certas relações, abre-se espaço para que tudo mude em torno das relações que se conservam”.Maturana, H. E Dávila X. Habitar Humano em seis ensaios de biologia-cultural. São Paulo: Palas Athena, 2009
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A satisfação das adições ao lucro e ao poder da era pós- pós- moderna requer que as planificações que fazemos dêem resultados, e para que isto ocorra se requer impecabilidade na realização do planejado, e para que o planejado tenha sucesso requer-se que as pessoas que participam de sua realização não cometam erros, que não mudem de opinião, que não tenham iniciativas que não tenham sido consideradas; em suma, requer-se que se conduzam como robôs. O que pode aparecer como maravilhoso nos robôs é que, salvo erro em sua construção, acidente relacional ou erro em seu uso, comportam-se de maneira impecável e previsível segundo seu desenho.
Os seres vivos em geral, e os seres humanos em particular, não somos assim, não somos robôs. Nós seres humanos queremos pensar, queremos refletir, queremos mudar de opinião, queremos ter iniciativa, queremos participar daquilo que fazemos. Queremos ser vistos e escutados como seres inteligentes e criativos. De fato, quando nos encontramos num âmbito laboral em que se quer operar na certeza de que se obterão os resultados desejados em algum projeto particular, procura-se fazer qualquer coisa para garantir que os que participam da realização desse projeto atuem com plena precisão, de acordo com o que se considera ser o procedimento adequado para obter esses resultados. Isto é, queremos desenhar a conduta de nossos “colaboradores” e empregados com prêmios, castigos, e argumentos racionais, de modo que se comportem segundo nossas especificações. Enfim, queremos que eles se comportem como robôs multidimensionais em que podemos confiar.
Reconheçamos ou não, esta é a tarefa da liderança. No entanto, a efetividade de uma liderança, qualquer que seja sua denominação (amiga, acolhedora) sempre dura pouco tempo porque as pessoas querem ser partícipes criativos, e se não o são logo se cansam, se aborrecem, e querem outra coisa. A liderança requer que os liderados abandonem sua própria autonomia reflexiva e se deixem guiar por outro, confiando ou submetendo-se a suas diretrizes ou desejos, seja por se sentirem inspirados, ou por temor de perder algo, sem acesso a queixa ou a pergunta reflexiva. No entanto, a inspiração nos fazeres de um grupo não dura na ausência de participação criativa, e tanto as queixas como as perguntas reflexivas não podem ser retidas indefinidamente sem que surjam frustração, raiva ou desgosto.
Quando se concebe um fazer que requeira um procedimento particular que somente se pode cumprir mediante a conduta acordada dos que o realizam, é a natureza do fazer e da conduta acordada que o executa, aquilo que define a ordem e a precisão do que se faz, não um líder. A história cultural da era pós- pós- moderna nos mostra que se queremos obter a conduta acordada mediante o operar de uma liderança, cedo ou tarde as exigências e restrição reflexiva que isto implica levam à queixa, ao desgosto e à dor: a liderança deixa de ser efetiva, pois as pessoas querem ser responsáveis pelo que fazem. Mas esta história também nos mostra que o renascer da reflexão e da ação éticas a partir da dor e do sofrimento da era pós-moderna que nos leva à era pós- pós- moderna, ao trazer consigo a presença integral do ser humano, abre o caminho para a colaboração desde a autonomia reflexiva e de ação na co-inspiração de qualquer projeto comum. É a isto que nos referimos quando falamos do fim da liderança no nascimento da colaboração na co-inspiração.
Dito de outra maneira, propomos reconhecer que no presente vivemos a mudança de consciência que leva ao fim da liderança e ao começo intencional de uma gestão co-inspirativa.
A gestão co-inspirativa
A colaboração ocorre quando o que se faz com outros é feito no prazer de fazer e vivido, portanto, desde a autonomia reflexiva e a liberdade de ação. E desde a colaboração à co-inspiração ou inspirar-se com outros ante um fazer, num espaço psíquico de respeito, confiança, que nos dá segurança e expande nosso fazer inteligente e criativo. Esta co-inspiração ocorre quando desde o prazer da colaboração se concebe e gera um projeto que nasce comum porque todos os que participam nele atuam vivendo o âmbito de coerências operacionais de sua realização como um espaço de ação e reflexão que lhe transmite respeito, autonomia, responsabilidade e liberdade reflexiva, qualquer seja seu fazer.
A colaboração e a co-inspiração são espaços psíquicos que constituem âmbitos de convivência no fazer e no refletir onde a seriedade, a responsabilidade, a eficiência e a qualidade do que se faz, sozinho ou com outros, surge da consciência de que a pessoa sabe que faz o que faz porque quer fazer, e sabe que o que faz tem sentido para ele ou ela, porque participou de algum modo em sua gestação.
Enfim, a colaboração e a co-inspiração não são possíveis na liderança (seja qual for sua denominação ou apelido), porque o espaço psíquico desta implica sempre a negação de si mesmo na perda da autonomia reflexiva e de ação. A liderança, seja qual for o seu começo, ocorre na coordenação da obediência e na subjugação; daí o transitória que é sua efetividade. Ao se restringir a
autonomia de reflexão e ação no espaço psíquico que surge com a liderança, se restringem a criatividade e os desejos de participar, pois se restringe a inspiração.
Por isso, ao se abrir o espaço da convivência ética no fazer organizacional com a emergência da era pós- pós- moderna, a liderança desaparece. E ao desaparecer a liderança, abre-se o espaço psíquico em que é possível criar o que estamos chamando a gestão co-inspirativa como a forma de guiar a coordenação dos fazeres e reflexões em qualquer campo produtivo, com conversações de coordenação dos desejos e das ganas de fazer o que se sabe fazer nesse campo, e de estar disposto a aprender o que não se sabe.
A gestão co inspirativa se funda no mútuo respeito e na consciência de que desde o respeito por si mesmas as pessoas querem fazer responsável e seriamente o que sabem fazer, e querem aprender também responsável e seriamente o que não sabem fazer, porque desde o respeito por si mesmas querem cumprir seus compromissos. Todos preferimos colaborar a obedecer; todos preferimos ter presença no que fazemos a ser meros peões trabalhadores; todos preferimos ser autônomos e reflexivos em nosso fazer desde o entendimento de sua natureza e de seu significado, e desse modo ser pessoas participantes num projeto comum, a ser subordinados robóticos. Todos desejamos que nosso fazer seja distinguido como um fazer impecável.
A liderança se acaba porque ao negar a autonomia reflexiva das pessoas, nega os fundamentos da conduta responsável, e logo fracassa em sua tentativa de obter qualidade e eficiência no fazer acordado de qualquer âmbito produtivo. Assim seu fim ocorre desde a alma dos “liderados” ante sua urgência psíquica e operacional por recuperar a reflexão e a ação éticas como aspectos centrais da convivência laboral.
Com o fim da liderança e o começo da gestão co-inspirativa, recupera-se a seriedade no fazer desde a consciência de que se sabe que se sabe o que se sabe, e na tranqüilidade de que um conviver no mútuo respeito permite dizer “não sei” sem medo de um castigo, porque se sabe que o que não se sabe se pode aprender e se quer aprender. Na gestão co inspirativa sabe-se que os erros não são mentiras, e sabe-se também que seu reconhecimento abre os espaços reflexivos que levam a mudar as circunstâncias que deram origem aos erros.
Num mundo em mutação haverá erros, e haverá conhecimentos que ficarão obsoletos, mas a conduta inteligente e a contínua abertura para a reflexão que corrige os erros e expande a conduta criativa oportuna que o mútuo respeito traz consigo nunca ficarão obsoletas. Quando, num mundo que se vive como um presente em contínua mudança, convivemos sem medo do erro ou da equivocação, num espaço psíquico aberto ao mesmo tempo à reflexão e às conversações colaborativas, vivemos nossa sensorialidade cambiante na serenidade e na segurança, sem ansiedades ou angústias. Isto é, vivemos no espaço emocional de harmonia psíquica e corporal que chamamos bem-estar. E isto não é trivial, já que as emoções como domínios relacionais são o fundamento de todo nosso fazer.
Os três pilares da conduta social responsável espontânea
Sabemos que os seres vivos deslizamos no viver numa contínua deriva estrutural e relacional num curso que se constitui instante a instante desde a conservação da sensorialidade do bem-estar no fluir de nosso fazer e de nosso sentir relacional, ao fazer em cada instante o que queremos fazer. É por isso que o curso que segue nosso viver não surge guiado pela razão, e sim, por nossas emoções, nossas preferências, nossas adições, nossos desejos... nossas ganas, que são além do mais o que de fato funda nossa escolha das razões ou motivos com que justificamos o que fazemos em qualquer domínio de nosso viver, quando pensamos que temos que justificá-lo.
E é por isso mesmo que, se quisermos compreender as alegrias, as dores, as harmonias e os conflitos de nosso presente, devemos olhar o curso do fluir do emocionar que tem guiado o devir de nosso viver ao longo de nossa história, de modo que estamos vivendo o que vivemos no presente que agora vivemos. Isto é, o querer obter o que se deseja desde a adição ao lucro, ao poder, ou a ambos, o que tem guiado momento a momento nossa busca de saber e a orientação do que fazemos com esse saber na era pós-moderna. Ou, dito de um modo mais direto, o fato de o fazer empresarial e produtivo na era pós-moderna ter-se centrado no apego ao lucro e ao poder como guias do uso do saber que os faz possíveis, é o que tem gerado as imensas dores, sofrimentos e faltas de equidade que vivemos atualmente na antroposfera e na biosfera. Ainda mais, é precisamente porque são nossas emoções o que guia o curso de nosso viver, que agora é a consciência da dor e do sofrimento que temos gerado desde os apegos ao lucro e ao poder na era pós-moderna o que nos projeta para a era pós- pós- moderna e nos leva ao ressurgimento da consciência ética no viver cotidiano que inicia o fim da liderança.
Isto é, o que faz surgir a era pós- pós- moderna é a mudança de substrato epistemológico que ocorre em nosso viver relacional quando nos fazemos conscientes de que sabemos que sabemos que a dor e o sofrimento da era pós-moderna nós mesmos o geramos com nossos apegos ao lucro e ao poder. E é esta mudança de consciência o que faz possível que os seres humanos reapareçamos diante de nós mesmos dando-nos conta de que somos seres biologicamente amorosos e de que o somos desde nossas origens como Homo sapiens-amans amans há mais de três milhões de anos.
Como dissemos acima, “a era pós- pós- moderna é a era em que somos conscientes de que se não atuamos de acordo com o que sabemos que sabemos, mentimos a nós mesmos ao mesmo tempo que mentimos a outros, inclusive a nossos filhos e aos filhos de nossos filhos”. Sabemos da dor e do sofrimento que temos gerado na adição à onipotência da era pós-moderna e não queremos pretender mais que não sabemos. Quando se sabe que se sabe não se pode pretender que não se sabe, e se sabe que quando se pretende que não se sabe, se mente.
Saber que sabemos que não queremos continuar mergulhados na psique da onipotência da era pós-moderna constitui o estado de consciência em que “me apercebo de que já não sou nem somos cegos ao suceder desta era”. E este dar-nos conta é o que gera a mudança de consciência que dá origem ao surgimento da era pós- pós- moderna e faz possível que nos eduquemos em
nosso viver cotidiano no operar ético que se funda no que temos chamado os três pilares da conduta ética espontânea ou os três pilares da conduta social responsável.
Esses três pilares são o saber, o compreender e o ter à mão uma ação adequada à circunstância que se vive, e constituem o fundamente de onde surge nosso atuar ético espontâneo nas distintas encruzilhadas relacionais em que temos que escolher o que fazer no âmbito de nossa convivência social. O saber se refere ao dar-se conta da natureza da encruzilhada social e ecológica que se vive e das ações entre as quais se tem que escolher; o compreender refere-se ao dar-se conta das distintas conseqüências sociais e ecológicas (visão sistêmica) que teriam na antroposfera e na biosfera as distintas ações entre as quais se tem que escolher; e o ter uma ação adequada à mãorefere-se a dispor dos meios (tê-los à mão) adequados para realizar as ações escolhidas.
Quando não se sabe há cegueira e não há consciência de que é preciso atuar; quando não se compreende de que se trata o que se sabe não há possibilidade de conceber uma ação adequada à encruzilhada social e ecológica que se vive; e quando não há uma ação adequada à mão, quando não se dispõe de um fazer oportuno, há paralisia, depressão, abandono, raiva e indignação. Se sabemos qual é a encruzilhada relacional social e ecológica que se vive na antroposfera e quais são as ações possíveis; se compreendemos as possíveis conseqüências na antroposfera e na biosfera de escolher uma ou outra dessas ações possíveis, e se temos a ação adequada (ética) à mão, não é possível não escolher a conduta social responsável sem atuar de má fé.
Ao surgir a era pós- pós- moderna, a compreensão do operar dos três pilares da conduta social responsável faz desses três pilares uma oportunidade reflexiva para pôr como o fundamento de qualquer fazer organizacional a inspiração ética, primeiro de maneira intencional e em seguida de maneira espontânea no mútuo respeito de uma convivência humana no bem-estar. Em outras palavras, o novo olhar e sentir que emerge com o substrato epistemológico unitário que recupera a visão ética no viver cotidiano e traz consigo o surgimento da gestão co-inspirativa junto com o fim da liderança ao passar à era pós- pós- moderna, implica pôr a reflexão e a ação ética como elemento reflexivo e operacional básico em todos os fazeres do âmbito produtivo. O principal no fazer organizacional já não serão somente as vantagens econômicas como se estas fossem um bem em si, mas ao contrário, agora o central será o bem-estar em todas as dimensões do conviver social humano que contém e faz possível a ação ética.
Temos dito que no começo da era pós- pós- moderna os seres humanos nos vemos criadores de um fazer produtivo e de serviço que tem sido e ainda é gerador de uma antroposfera destruidora das condições que fazem possível a existência e a conservação da biosfera como um habitar no qual os seres humanos podemos viver em coerência sistêmica- sistêmica com os outros seres vivos da terra no bem-estar ecológico e ético. Ao mesmo tempo temos dito que ao expandir nosso olhar vemos o contexto em que ocorre nosso viver e ao mesmo tempo nossa participação na geração desse ocorrer, ocorrer que não nos agrada.
É mais, nesse ver vemos a dinâmica recursiva das conseqüências do que fazemos ou não fazemos, e ao ver que somos geradores dos mundos que vivemos desde nosso fazer (e não fazer) vemos também as conseqüências que isto tem em todas as dimensões do habitar dos outros seres vivos com os quais compartilhamos e co-criamos a biosfera que nos faz possíveis. Enfim, ao expandir nosso olhar vemos que somos responsáveis pelo surgimento de tudo o que é bom e de tudo o que é mau em nosso viver ao ser geradores desde o que fazemos, seja com nossas mãos, com nosso pensar, com nosso teorizar e com nosso explicar, de todas as dimensões de todos os mundos que vivemos.
Não importam as circunstâncias em que vivemos nosso viver, nós seres humanos somos criadores, e por isso responsáveis tanto pelo que fazemos em nossa vida doméstica, como nos múltiplos mundos que vivemos desde nosso fazer filosofia, arte, religião, ciência ou tecnologia como distintos modos de habitar humano. Contudo, neste mesmo olhar nos damos conta também de que nossos fazeres produtivos ou de serviço não têm por que ser destruidores das condições que fazem possível nosso habitar como um habitar ético e socialmente responsável se não quisermos que seja assim, já que possuímos todas as capacidades e conhecimentos para fazer tudo o que fazemos gerando uma antroposfera em equidade e bem-estar no mútuo respeito, abandonando nossos apegos exclusivos ao lucro e ao poder.
De fato, como também dissemos no início, “vivemos um momento em nosso devir histórico em que nos achamos podendo fazer tudo o que imaginarmos, se operarmos com as coerências operacionais do âmbito relacional e operacional no que o imaginarmos”. E é talvez por isso mesmo que também agora, ao nos darmos conta de nossa responsabilidade total na contínua transformação do habitar que geramos, nos perguntamos: que fazer? E nos perguntamos: que fazer? Porque a dor e o sofrimento que geramos em nosso apego exclusivo ao lucro e ao poder é tão grande que nos atinge também recursivamente no viver de nossos filhos, de nossos amigos e em nossa dignidade, tanto que começamos a nos dar conta de que não queremos mentir nem mentir mais a nós mesmos, quando começamos a passar à era pós- pós- moderna, ao nos perguntarmos: que fazer para sair da armadilha que nós mesmos criamos para nós? Como sair de um modo de conviver no qual estamos dispostos a aceitar qualquer coisa desde que conservemos nossos apegos exclusivos ao lucro e ao poder?
Sabemos que sabemos que podemos fazer qualquer coisa que queiramos fazer se o quisermos fazer; e sabemos que sabemos que se quisermos fazê-lo podemos entrar na busca ou no desenho intencional de fazer adequado o que nosso saber e nosso entender e compreender nos indicam. Isto é, se quisermos, podemos conceber um operar de reflexão e ação ética em nosso fazer empresarial que nos permita sair da armadilha auto-destruidora que nós mesmos geramos na era pós-moderna, no apego à onipotência. Se quisermos, podemos criar juntos um conviver no qual se conservem no respeito por nós mesmos o respeito à diversidade, à estética e ao prazer da amizade na co-inspiração da criação de um conviver no bem-estar sem buscar a perfeição.
A grande oportunidade
Esta é a grande oportunidade do fazer organizacional na era pós- pós- moderna. O dinheiro como energia e o conhecimento como capacidade de ação são dons divinos e não demoníacos, se não entramos nas tentações do apego à onipotência. Se nos encontramos no apego à onipotência, toda nossa criatividade, toda nossa inovação fluirá em torno da conservação do poder a qualquer preço, e nossa organização se transformará cega a tudo o que não contribua para esta ambição; a ética, as considerações sobre danos à ecologia, à saúde e à estética do viver serão dispensáveis; a fraude, as drogas, a contaminação, assim como a mentira, embora digamos o contrário, serão aceitáveis.
Enfim, tudo o que não contribua diretamente para nosso apego à onipotência será caro e difícil, ou diremos que não existem nem os conhecimentos nem as tecnologias necessárias, embora saibamos que temos capacidade para fazer qualquer coisa, se quisermos. Se nos encontramos no apego ao poder, tudo o que não pareça conduzir à subjugação de outros será fraqueza, assim toda nossa criatividade, toda nossa inovação fluirá em torno da conservação do poder a qualquer preço, e nossa vida se transformará cega a tudo o que não contribua ao incremento de nosso poder; a ética, as considerações sobre dano ecológico ou de saúde, a dignidade, a vida humana serão dispensáveis; a fraude, as drogas, a vingança, a manipulação e a mentira, embora digamos o contrário, serão oportunidades aceitáveis para satisfazer nossa busca onipotente. Enfim, tudo o que não nos leve à onipotência e ao poder será indesejável, difícil e ameaçador, e criaremos teorias que justificando-nos nos desejos de onipotência e de poder nos ceguem ante o dano que geramos desde esses apegos.
Ao sair do apego à onipotência da era pós-moderna e ao se iniciar com isso a era pós- pós- moderna, nos damos conta de que somos nós mesmos que geramos a dor e o sofrimento que vivemos na antroposfera e na biosfera, e como num despertar, nos vemos abandonando os apegos ao lucro e ao poder no emergir de nossa consciência ética em nosso conviver cotidiano. Como acontece?
Este surgir de nossa consciência ética é possível porque somos biologicamente seres aos quais a dor e o sofrimento de outros comovem, porque se vêem a si mesmos neles, a menos que, sem saber, neguemos validez a esse ver, movidos por um argumento racional que pretende justificar algum apego. As eras moderna, pós-moderna e pós- pós- moderna, de que estamos falando, são, como distintos momentos históricos do conviver humano, distintos espaços psíquicos, distintos modos de sentir e de atuar relacional, distintos substratos epistemológicos de onde vivemos nosso viver.
No fluir de nosso devir histórico entramos e saímos dos distintos espaços psíquicos que vivemos desde uma mudança de consciência que emerge a partir de uma mudança emocional que como uma mudança de entendimento e compreensão do viver que vivemos nos avassala e abre ou fecha nosso olhar reflexivo no âmbito da conduta ética. Mesmo quando as mudanças de consciência que vivemos nos acontecem de maneira espontânea e não intencional, é possível facilitar aqueles que ampliam nossa consciência ética com um processo reflexivo que nos permita dar-nos conta de que somos nós mesmos os forjadores da dor e do sofrimento que geramos nos outros e em nós mesmos no apego à onipotência da era pós-moderna, e que portanto podemos sair dessa armadilha psíquica que nos leva a nossa própria destruição.
Que fazer, se estamos habituados a exigir e a obedecer, a cair no tédio ou na queixa da não participação e a mentir desde o medo de ser castigados?
Temos falado do apego à onipotência e ao poder como dimensões emocionais centrais da era pós-moderna, e o temos feito referindo-nos principalmente ao fazer econômico-político, porque este fazer se converteu numa dinâmica transformadora e conservadora enorme, que se fez central na realização dos processos da antroposfera, e através desta, da biosfera. Isto, contudo, não quer dizer que a onipotência e o poder sejam apegos constitutivos do fazer econômico-político; não são. Estes são apegos próprios da cultura patriarcal-matriarcal que atualmente se estendeu por todos os continentes desde sua origem há uns quinze mil anos na Ásia central.
Nossos meninos e meninas os aprendem conosco, os mais velhos, que como membros de nossa cultura patriarcal- matriarcal os praticamos em todos os aspectos de nosso conviver, e em particular nos âmbitos produtivos e de serviço. Este último é assim porque na cultura patriarcal-matriarcal se pensa que a única coisa que pode assegurar ordem, acordo e eficiência num fazer que implica a participação de muitas pessoas é a autoridade (liderança) e a obediência.
Mas agora sabemos que isto não acontece. A liderança não gera a ordem, o acordo, a qualidade e a eficiência que promete, e se por algum tempo parece que o faz, não é pela liderança, mas antes como resultados das oportunidades acessórias que se abrem apesar dela para que surjam relações de amizade e com elas o desejo genuíno de colaborar. Enfim, também ocorre que surgem autoridades secundárias que, sob a proteção consciente ou inconsciente de uma autoridade maior, obtêm o que parece ser maior efetividade com a manipulação do medo. Ninguém gosta de obedecer, ninguém gosta de ser negado. Quem gosta de atuar de maneira irresponsável ante um acordo adotado com honestidade num domínio de mútuo respeito? A negação que implica a obediência gera ressentimento e tédio.
A história dos seres vivos em geral, e dos seres humanos em particular tem transcorrido e transcorre como um devir que segue primariamente um curso inconsciente que se constitui instante a instante desde a sensorialidade que conserva o viver do organismo como um estar em cada instante conforme com o viver psíquico e fisiológico que se vive nesse instante.
Ao falar de bem-estar conotamos esse sentir de conformidade relacional e de harmonia sensorial que um organismo vive de maneira inconsciente ou consciente no fluir de seu viver em qualquer circunstância de conservação de seu viver. Quando o organismo sente que está perdendo essa harmonia sensorial, sua dinâmica sensorial e motora muda para uma dinâmica conservadora e recuperadora dessa harmonia sensorial. Isto é, vivemos a sensorialidade do bem-estar como um equilibrista vive a sensorialidade do equilíbrio, movendo-se de maneira consciente ou inconsciente para recuperá-lo quando sente que o perde. Do mesmo modo que o equilibrista conserva a sensorialidade do equilíbrio mudando sua corporalidade e sua relação com seu entorno cambiante enquanto caminha pela corda bamba, o ser vivo conserva a sensorialidade do bem-estar mudando sua corporalidade e sua relação com seu entorno cambiante enquanto realiza seu viver, seja ele qual for.
Um organismo conserva o bem-estar em seu viver como uma relação invariante de congruência operacional com seu nicho ou circunstância, enquanto a forma em que essa relação se realiza muda continuamente no curso de seu viver. Isto ocorre do mesmo modo que um equilibrista conserva seu equilíbrio como uma relação invariante de congruência operacional com sua circunstância enquanto sua forma corporal muda continuamente ao caminhar sobre a corda bamba sem cair.
Cada ser vivo vive a realização de seu viver como um ocorrer de mudanças estruturais e relacionais que seguem um curso definido momento a momento desde a conservação do bem-estar na realização de seu viver. A conservação do bem-estar define em cada instante a orientação relacional e operacional que segue do viver de um ser vivo. As distintas classes de seres vivos vivem de maneiras distintas a conservação básica do bem-estar de acordo com o seu modo de viver.
Assim, em nosso caso, o fluir de nosso viver como seres humanos inclui nosso operar em redes de conversações de ação e reflexão , nas quais podemos olhar nossos sentires e modular recursivamente instante a instante a orientação que segue nosso viver na conservação de nosso bem-estar, de acordo a como nos sentimos com nosso sentir em cada instante. [23] Quer dizer, é desde a contínua modulação de nossos sentires que ocorre instante a instante como um aspecto central do curso de nosso viver em conversações de reflexão e ação, que a forma relacional do que constitui nosso bem-estar muda em cada instante segundo o que sentimos, pensamos e desejamos em relação aos mundos que geramos com nosso viver. Disso resulta que sempre nos deslizamos em nosso viver na conservação da sensorialidade do que vivemos como nosso bem-estar, ainda que vivamos nosso presente com dor e como algo indesejável. [23] A modulação recursiva do sentir do bem-estar com o fluir de mudança que se produz no sentir do organismo no curso de seu viver é própria de todos os seres vivos nos quais se dá o sentir do sentir que se vive.
Sempre fazemos em cada instante o que sentimos; é o fazer que conserva nosso bem-estar neste instante. De fato, a mudança de configuração dos sentires que constituem o bem-estar de um organismo muda com o fluir do viver em todos os seres vivos com ou sem linguajear como resultado de sua contínua mudança estrutural no curso de sua epigênese. O peculiar ao humano é que em nós nossa epigênese ocorre em redes de conversações que constituem a antroposfera como o espaço relacional-operacional no qual se conserva nosso viver e conviver na conservação de nosso acoplamento estrutural na biosfera [24].
Enfim, são nossos fundamentos biológicos no fluir de nosso viver na conservação do bem-estar que nos oferecem o caminho fora da armadilha dos apegos da cultura patriarcal-matriarcal desde o próprio centro do fazer produtivo e de serviço. Isto ocorre quando o olhar reflexivo que nos abre à compreensão da dor que geramos no apego à onipotência de nosso fazer produtivo e de serviço patriarcal-matriarcal desloca nosso sentir e nossa configuração relacional da conservação do bem-estar em nosso conviver, levando-nos a atuar desde a nova consciência e postura epistemológica unitária que essa compreensão implica. É a isto que nos referimos ao mostrar o fim da liderança e propor em contrapartida a gestão co-inspirativa como a forma de pôr a reflexão e a ação ética como fundamentos de tudo o que fazemos na antroposfera.
A gestão co-inspirativa é a arte e ciência do escutar, do ver e do convidar a atuar desde o saber e compreender que somos e como somos geradores dos mundos que vivemos, conscientes de que nossos saberes são apenas reflexos [24] Isto é visível na mudança na configuração das relações de bem-estar que um organismo vive quando muda seu emocionar. As mudanças de espaço relacional que vemos nos organismos segundo seu emocionar são de fato mudanças na configuração relacional de seu fluir no bem-estar que ocorrem em seu viver na dinâmica recursiva de seu emocionar. Cada vez que nos parece que um animal duvida sobre o curso de seu fazer está num ato recursivo de sentir seu sentir. instrumentos para fazer o que queremos fazer.
Nós seres humanos gostamos de colaborar, gostamos de participar, gostamos de fazer bem o que fazemos, gostamos de cumprir nossos acordos, gostamos de ter presença no que fazemos. Todos sabemos como experiência de nosso próprio viver, sós ou com outros, que ser vistos, ser escutados, participar de um conviver fundado na confiança mútua, isto é, no amar, expande nossa conduta criativa, expande nossa conduta inteligente, expande nosso ver, nosso ouvir, e expande o desejo de ser impecável na qualidade do que fazemos, em qualquer domínio. E não somente sabemos disto, mas queremos viver assim porque nos faz bem em todas as dimensões de nosso viver.
A história dos seres vivos tem transcorrido num devir de contínua mudança em torno da conservação do viver; por que não poderíamos nós seres humanos gerar uma história cultural de contínua mudança em torno da conservação do bem-estar no respeito mútuo e na co inspiração reflexiva, que leva a conservar esse conviver e a corrigir os erros que nos afastam dele em todas as redes de conversações que venhamos a gerar?
Vivemos gerando continuamente uma antroposfera cambiante que surge com nossos fazeres cotidianos em redes de conversações. Tudo o que fazemos como seres vivos humanos nós o fazemos em redes de conversações domésticas, tecnológicas, científicas, filosóficas, artísticas, de coleta ou de cultivo de alimentos,... e o fazemos como fazem os castores, as formigas,... ou qualquer ser vivo num curso evolutivo gerador de diversidades em torno da conservação do viver. A única peculiaridade de nosso fazer é que fazemos tudo isso como um fazer humano em redes de conversações sendo conscientes ou com a possibilidade de ser conscientes do que fazemos.
Então, por que não fazer o que fazemos numa co inspiração recursiva em torno da conservação do bem-estar de um conviver no mútuo respeito onde se tem presença e participação na realização cotidiana desse projeto comum? Por que não decidimos operar com nossas organizações pondo no centro de nosso fazer a reflexão e ação ética conscientes dos três pilares da conduta social responsável? Difícil, caro? Tememos perder privilégios, riquezas, vantagens que satisfazem nossa sede de onipotência?
Sim, mas sabemos que sabemos que geramos dano e sofrimento em nossa antroposfera: e sabemos que sabemos que vivemos um presente histórico no qual podemos fazer qualquer coisa que queiramos fazer se o quisermos fazer, inclusive sabemos que podemos ser empresários éticos capazes de atuar com consciência e confiança social.
Que teoria, que justificativa racional nos detém e nos leva a não querer pôr no centro de todo o nosso fazer a reflexão e ação ética como um aspecto natural de nosso conviver?
Como queremos ser lembrados por nosso filhos, filhas e netos ou netas? Como queremos ser lembrados por nossos concidadãos?
Nós no Instituto Matríztico pensamos que se aceitamos este convite reflexivo que aqui compartilhamos com tantas pessoas que desejam abrir espaços de co inspiração e colaboração, estaremos colaborando na conservação de um viver humano que como tal nos possibilita viver e conviver em total harmonia com o mundo que trazemos à mão [25] em nosso viver. Ainda mais, estaremos abertos à transformação de todos os nossos espaços de convivência sem que dessa transformação surjam modos de viver que conservem a dor ou o sofrimento através da legitimidade de nós mesmos, dos outros ou de tudo o mais.
O resultado de um processo não é nem pode ser um fator no suceder do processo que lhe dá origem. O resultado de um processo não opera nem pode operar como fator para o início do processo que lhe dá origem. O resultado e o processo que lhe dá origem pertencem a domínios disjuntos não redutíveis um ao outro. Nada ocorre no suceder do viver ou dos processos que constituem a realização do viver dos seres vivos, ou no suceder do cosmos que o observador traz à mão em suas operações de distinção ao explicar em seu viver, por ser o resultado desse suceder necessário ou desejável para esse ocorrer. [26]
Nossa tarefa, nosso convite
Como Instituto Matríztico estamos convidando nesta tarefa junto a Dennis Sandow e Gabriel Acosta-Mikulasek na sede do IM nos Estados Unidos, junto a Rodrigo da Rocha Loures, Margarita Bosch, Guilherme Branco, entre outros e outras pessoas da FIEP e da UNINDUS no Brasil, junto a Peter Senge e Hue Shue do MIT e da SOL, Juanita Brown e World Café, Deborah Higgins da Fundação Feltzer, Miguel Maliksi nas Filipinas, junto a Christopher Kindblad e seus colegas da Universidade de Halmstad, junto a Luis Grajeda da Agenda 21 na Guatemala, junto a Oscar Azmitia da Universidade de La Salle en Costa Rica, junto a Rodrigo Jordán e Ana María Bravo da Vertical no Chile, junto a Alejandro Morales, José Manuel Saavedra, Cristián Moraga e seus colegas e equipes de trabalho na Mutual de Seguridad no Chile, junto a Edmundo Ruíz e sua equipe no Conselho de Defesa da Criança no Chile, junto a Gloria Cano de EPM e Ana María Estrada de Colegiatura na Colombia, junto a Claudio Yusta no Brasil, junto a Luis Flores de Consumidores International na América Latina, junto a Joan Quintana na Espanha, Junto a Omar Ossés na Argentina, junto a Sayra Pinto nos Estados Unidos.
25 Criamos
26 Lei sistêmica do Resultado e Resultar. Ximena Dávila e Humberto Maturana, em Habitar Humano: em seis ensaios de Biologia-Cultural – São Paulo: Palas Athena, 2009
Em última análise, convidamos todas as pessoas adultas que desejem colaborar na ampliação do olhar que surge do entendimento da origem, conservação e transformação do humano, que nós conotamos quando falamos de biologia-cultural. Um convite a ver que todo bem-estar humano é de origem cultural é um convite que só podemos aceitar desde nosso viver e conviver no mundo que trazemos à mão [27], se assumimos que somos responsáveis pelo mundo que vivemos e em que convivemos com os outros e se vivemos esse dar-nos conta como um viver ético que surge naturalmente ao viver no entendimento que a biologia-cultural nos mostra.
Um convite para uma era pós- pós- moderna de co inspiração e colaboração que redunde na educação social como caminhar na superação da pobreza e na conservação harmoniosa do bem-estar na relação antroposfera- biosfera desde o respeito por si mesmo, pelo outro, a outro e tudo o mais. Um convite que reconhece, em vários pontos do planeta, que estão sendo observados indícios de novas formas e estratégias que estão levando as mais diversas comunidades à superação da pobreza e que, de forma concomitante com o melhoramento das condições de vida das pessoas, contribuem para a dinâmica biológica- cultural que se revela evocada pelo desejo de sustentabilidade que inspira nosso presente cultural. Um convite que pode ver que essas formas e estratégias têm sido desenhadas e implementadas a partir de critérios conceituais e operacionais diferentes, que resguardam as capacidades de regeneração e adaptação dos ecossistemas sem lesar sua riqueza e diversidade.
27 construímos
Inclusive favorecendo sua reparação e re-equilíbrio a partir de seu manejo racional, sob padrões de eficiência energética e processos produtivos limpos, entre outros. Nesse contexto, tem-se revelado fundamental o papel exercido por comunidades educativas, como nichos na aquisição e exercício de destrezas, habilidades pessoais e sociais, conhecimentos e modos de convivência pacífica, reflexiva e harmoniosa, orientadas para o bem-estar entre os seres humanos e os ecossistemas com os quais formam uma unidade indissolúvel.
Esta nova tendência das assim chamadas intervenções sociais, evidencia a configuração de um círculo virtuoso em diversas escalas (individual, familiar, comunitária), em que as práticas harmoniosas de bem-estar contribuem para uma transformação cultural que redunda na superação da pobreza. As formas e estratégias de superação da pobreza são concebidas de maneira sistêmica de modo que o desenvolvimento (e a criação de riqueza econômica) vai de mãos dadas com a restauração e conservação de um equilíbrio que potencializa tanto as comunidades, como os ecossistemas de que formam parte. Trata-se, por isso, de experiências de duplo propósito que alteram e/ou descartam as estratégias de curto prazo, de sucesso imediato e fazem uma opção pelas dinâmicas culturais orientadas para o bem-estar no presente com alcances conservadores de médio e longo prazo.
Trata-se das assim chamadas “rotas críticas de desenvolvimento” em contextos de elevado rigor social e econômico, que não somente buscam satisfazer as “necessidades” das gerações presentes, mas tentam sinergicamente conservar dinâmicas relacionais operacionais que conservem ou ampliem a satisfação das possíveis demandas das gerações futuras.
Nosso convite, como já temos dito, é que a dinâmica cultural que se manifeste na superação da pobreza também constitua um referencial de vida harmoniosa sistêmica- sistêmica e que, nesse sentido, não implique “empobrecer” o amanhã [28]. Para isso é desejável ter em conta que, como temos dito, nada ocorre no suceder do viver ou dos processos que constituem a realização do viver dos seres vivos, ou no suceder do cosmos que o observador traz à mão [29] em suas operações de distinção ao explicar seu viver, por que o resultado desse suceder seja necessário ou desejável para esse ocorrer. E que, então, quando falamos de necessidades, o que estamos evocando é a dinâmica relacional- operacional que configura os nichos em que realizamos a multidimensionalidade de nossa existência no viver e conviver das comunidades humanas num momento determinado. E o fazemos ao valorar umas e outras dimensões do habitar esses nichos de maneira diferente segundo nossos desejos ou preferências.
28 Em 1987 a denominada Comissão Bruntland entregou seu informe “Our Common Future” que cunhou a célebre frase “o desenvolvimento sustentável é aquele que responde às necessidades do presente sem comprometer a capacidade das gerações futuras de satisfazer suas próprias necessidades”. Desde então, o desenvolvimento sustentável contém uma promessa ética e politicamente iniludível: assegurar que nosso bem-estar não produza pobreza humana no futuro como conseqüência do desequilíbrio dos ecossistemas e do esgotamento dos recursos providos pela biosfera.
29 Traz ao existir
Texto acima extraído (página 50 a 78) de:
Fonte:
MATRIZ ÉTICA DO HABITAR HUMANO
Entrelaçamento de sete âmbitos de reflexão-ação numa matriz biológico-cultural: Democracia, Pobreza, Educação, Biosfera, Economia, Ciência e Espiritualidade.
24 jul. 2010 ... MATRIZ ÉTICA DO HABITAR HUMANO Entrelaçamento de sete âmbitos de
reflexão-ação numa matriz biológico-cultural: Democracia, ...
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Atenciosamente.
Claudio Estevam Próspero
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